Capítulo 10: Ordem Não Natural
Em tempos de desespero, até inimigos mortais podem encontrar um ponto em comum em seu medo da incerteza.
A fada adormecida se aventura em um mundo de ilusões cósmicas.
Uma história ilustrada baseada na série Touhou.
"Ótimo lugar, não é? Que tal irmos ver os Campos de Cultivo em seguida, Iris?"
Abrindo meus olhos, sou cativado por um espetáculo prismático. Uma tempestade caótica de cores brilhantes me atinge de
todas as direções. Sob meu lugar de descanso, sinto o mundo girar. É como se a própria Mãe Terra também assistisse
com admiração.
Foi um longo dia, por que não dar uma pausa? Não que eu esteja me sentindo cansada, mas já estamos atrasadas mesmo.
Olho para o céu. O Sol parece concordar.
De repente, ouço sussurros por trás das costas. Fraca. Preguiçosa. Inútil. Algumas das cores estão espalhando rumores.
Não estou cansada, sério. O Sol balança a cabeça.
Franzo as sobrancelhas, "Olha, deixa eu te mostrar." Levantando, viro e abraço a velha árvore com força. As cores me
observam escalá-la lenta e arduamente.
Enquanto vou até o topo, seus batimentos cardíacos são sentidos contra meu peito. Ouço sussurros se transformarem em
fofocas, risadas e, finalmente, provocações. Recuso-me a ouvir.
Vou mostrar a eles. As outras podem não se importar com isso, mas eu me importo. É tão embaraçoso. A última coisa que
preciso é ouvir sobre a Kisé que era fraca demais para subir em uma árvore.
Quanto mais subo, menos portas e pessoas são vistas pelos corredores. A da minha esquerda não tem maçaneta, a da
direita grita quando a toco, duas à frente estão desenhadas na parede e a do final do corredor está trancada.
Minha pele está fria. A cada passo, pedaços da sala desaparecem, revelando um vazio crescente e infinito. Olhando para
baixo, percebo que estou pisando em nada.
"Nada aqui também", suspiro. É quando ouço vozes abafadas por perto.
Me sentindo curiosa, eu tento ouvir através da porta.
*** *** ***
"...Claro que não. O tolo provavelmente está se escondendo em algum lugar."
"Como demônio sabe? Tudo que faz. Esconde de deus. Esconde em outro mundo."
"Segure sua língua, pirralha! Os Ahiağ vigiaram este mundo muito antes de sua espécie OUSAR existir. Ao contrário de
vocês, Seres, nossa existência tem um propósito. Sangramos pelos deuses, ficamos ao lado deles mesmo durante as
batalhas mais sangrentas."
"Sim. Deus perde. Homem ganha. Papai conta Taba. Papai lá. Juma luta também."
"Olha só, uma juma que sabe de alguma coisa. Talvez seja o fim."
"Pessoal, por favor, não lutem. Nós nos reunimos aqui hoje por um motivo."
"Mãe do Rio certa. Deus se foi. Fim do mundo. Taba pensa."
"Nós percebemos. Os Wihóg'wató disseram alguma coisa, Mãe do Rio?"
"Receio que não. Os espíritos da natureza não se mostraram a ninguém."
"Humph! Pensariam que em tempos difíceis os 'verdadeiros' pajés iriam aparecer e fazer seu trabalho. Infelizmente, mais
uma vez, apenas os Ahiağ representam o título."
"Pajé falso. Todos sabem. Conte a Taba. Peixes falam? Fim do mundo. Peixes fazem novo."
"Por favor, os encantados? Eles provavelmente nem sabem que ele se foi. Se duvidar, aqueles degenerados encontrariam
prazer em quebrar as leis dele uma última vez."
"Sinto muito, Taba, mas eles se recusam a abrir a entrada de sua cidade. Não sei como, mas... parece que algo está
interferindo nas Leis da Natureza."
"Algu? Num querdizê alguein?"
"...!"
"Oh, olá. Eu não vi vocês duas chegando. Quem são vocês?"
"Você, eu te conheço! Filha de Matinta, visaje, suma deste lugar!"
"Valha-me, é assim que cê tratum antigu colega de trabalho? Axque cês num querim a genti joganduma luz no cêu
probleminha. Tendi. Vamu pra casa, Paulinha."
"Espere! Por favor, não vá. É verdade? Vocês sabem o que aconteceu com o deus Tupana?"
"Mãe do Rio, por favor. Você acredita que uma visaje vai falar qualquer coisa além de mentiras?"
"Não temos nenhuma pista, Ahiağ, e não foi ela que chamou minha atenção."
"Taba concorda. Humana estranha. Por que aqui? Conta a Taba."
"Ta vendu, minha miga devoradora diomi. Estaqui — Olha timideis — tevem contatu com o paizão em pessoa. Cês poderiam
dizê quela é a mensagera dele."
"Loucura!"
"Ein? Deus escolhe humana? Taba confusa."
"Sinto muito, mas devo concordar. É difícil acreditar em algo assim."
"Olha! Axu que cês gostariam di algumevidênci. Mostreles a coisa, Paulinha."
Antes que eu perceba, meu corpo fica dormente. A porta na minha frente é violentamente aberta por uma força invisível,
revelando uma luz ofuscante lá dentro. Logo, vejo centenas, talvez milhares de olhos me encarando. A floresta está
animada.
Incapaz de virar o pescoço, olho para uma fração do que é revelado ser uma grande multidão. De um lado, criaturas com
chifres, almas perdidas e animais de aparência assustadora. De outro, centauros, lobisomens e inúmeras outras
criaturas.
Andando em terra, voando no céu e na água. Nunca na minha vida — mesmo durante o Debukiry — eu vi tantos Sobrenaturais
em um só lugar. Olhando para mim, eles conversam entre si, chocados, confusos e nervosos.
Ao meu lado, consigo reconhecer a Pajé. Perto dela está uma garota que me lembro de ter visto quando estava fazendo
minha entrega e o trio, reconheço uma delas.
Onde estou? o que a Mãe do Rio está fazendo aqui?
"O Puratig̃?" A Ahiağ pergunta inquieta.
"Remo! Arma de homem!" Taba comenta em choque.
Mãe Rio cobre a boca, "Tem que ser falso, certo? Não pode ser..."
"É o verdadeiro", garante o demônio. "Madeira envelhecida, com símbolos pintados em ambos os lados. Sua aura demoníaca
é a assinatura do meu povo, impossível de replicar."
A garota visaje sorri, "Cês ouviram. Casencerrado."
O demônio se abraça, "Pensar que eu veria essa arma amaldiçoada novamente."
"Arma ruim! Machuca juma! Machuca muitos!" Taba protesta com raiva.
"Acho que entendi agora", lamenta a Mãe do Rio, cruzando os braços, "o deus Tupana deve ter esperado que nos
reuníssemos, que seu desaparecimento seria visto como um mau presságio, mas..." ela para, "Por que uma mensageira? Por
que ele não fala conosco?"
A garota e o Pajé trocam olhares, ela lhe dá um gesto de "vá em frente". Enquanto a Pajé avança, ela fecha os olhos,
aparentemente procurando as palavras certas para dizer. A floresta se prepara nervosamente para o que pode ser o fim
definitivo.
"O desaparecimento de deus Tupana não foi um presságio, mas uma mensagem, uma mensagem para todos os Sobrenaturais que
há muito tempo escolheram viver no limite da natureza."
"Viver em um mundo com árvores e animais foi uma escolha comum a todos nós. Foi através das Leis da Natureza que ordem
foi estabelecida e o mundo continuaria existindo enquanto vivêssemos buscando o equilíbrio com a Mãe Terra."
Ela faz uma pausa. Naquele momento, até mesmo uma gota d'água caindo seria audível.
"...Nós falhamos", ela balança a cabeça. "Seja por malícia ou negligência. Seja criação dele ou não. Seja Sobrenatural
ou humano, este mundo carece de equilíbrio."
"Foram os encantados!" um Ser lobisomem interrompe, "Eles foram instruídos a ficar de olho nos humanos e olha onde isso
nos levou!" Alguns concordam.
"E daí? Vocês, devoradores de homens, falharam em caçá-los", observa um Ser tamanduá.
"Nós deveríamos ter matado todos eles", protesta um demônio. "Eles não nos temem nem se importam quando alagam ou
queimam nossas casas." Dois Seres trocam olhares tristes.
"Nós poderíamos ter feito isso. Poderíamos ter vencido a guerra contra os humanos, mas o deus Tupana os escolheu em vez
de nós. Não foi justo," reclama um veado visajento.
"Vocês falharam porque seu povo é fraco", um Ser centauro interrompe. "Por que ele permitiu que cópias inferiores de
suas criações continuassem vivendo, vai entender", ele bufa.
"Pelo menos fomos planejados, diferentes de vocês, acidentes", diz outro demônio.
A Pajé pisca, sem palavras enquanto a multidão é reduzida a uma bagunça caótica. Insultos são lançados de todos os
ângulos, palavras duras reabrindo velhas feridas. A Mãe do Rio dá tapas na cara enquanto o demônio e a garota visaje
apostam em quem vencerá.
PAH!
Um Ser aproximadamente do tamanho de um prédio de dois andares pisoteia o chão, encerrando decisivamente a briga. Ele
examina a multidão tímida, procurando por qualquer um que se sinta corajoso.
"Obrigado, papai!" Taba acena.
Como se estivesse livre de um transe, a Pajé volta à realidade e continua.
"Por, bom, muitas razões, este mundo não tem equilíbrio. No entanto, enquanto ele permanece em silêncio, o fim deste
mundo não é sua vontade." Muitos compartilham suspiros de alívio.
A Pajé franze as sobrancelhas, "Apesar de prosperar, a humanidade se tornou egoísta e distante. Sua vontade é que a
recuperação e preservação do passado, as Leis da Natureza, sejam alcançadas não pela devoção dos homens, mas pela
nossa."
Murmúrios são ouvidos na multidão, alguns se perguntando se a ouviram direito.
"Este caminho inclui a criação de um novo clã, um composto inteiramente por Sobrenaturais. Finalmente, ele me nomeou
como sua pajé e mensageira."
"Loucura!" A Ahiağ objeta com raiva: "O que você está dizendo? As próprias leis que o tolo deseja preservar incluem as
classes que nos separam uns dos outros. Alguns conflitos são mais velhos que esse mundo!"
Ela olha feio: "Querendo que coexistamos? Por favor. Nenhum Puratig̃ me fará acreditar na sua 'mensagem'. Você não é um
pajé. Aprenda seu lugar, humana!" A multidão aplaude.
"Juma forte! Juma luta! Ajudar demônio? Nunca!" Taba declara orgulhosamente.
Os olhos da Mãe do Rio encontram o chão, parecendo perdida em pensamentos.
A Pajé olha calmamente para a multidão antes de abrir a boca: "Classes, velhas cicatrizes e rancores, eu também me
perguntei isso enquanto caminhávamos pelo jardim de Nusokén."
A Mãe do Rio suspira: "Nusokén? Ele voltou?"
A Pajé fecha os olhos: "Ele disse... para não andar por caminhos familiares."
"Para não..." Os olhos do demônio se arregalam, "Não! E-ele não quer dizer..."
"Dos Seres Wiakãg'mi'yt independentes as assombrosas visajes e fantasmas Wãgkãgkãg. Dos orgulhosos demônios Ahiağ as
Mães da Floresta Ga'apy'ty que vagam a floresta. Amigo ou inimigo, deste dia em diante todos viveremos como iguais."
Knock!
"E mais uma vez, as Leis da Natureza..."
Knock knock!
"Serão reescritas."
Knock knock knock!
Em um instante, sou expulsa da terra dos sonhos.